FGTS – Possibilidade de liberação nos contratos regidos pelo Sistema Financeiro Imobiliário (SFI)

Por Liliana Farah Teixeira Cisternas
Rio de Janeiro, 01 de novembro de 2017.

Com o Neoconstitucionalismo, que busca ir além da legalidade estrita, empreendendo uma leitura moral do Direito, vivenciamos o reconhecimento da força normativa da Constituição, que pode ser traduzida como a valorização dos princípios constitucionais na resolução do caso concreto.

Sensíveis à mudança de paradigma, os Tribunais Superiores vem concedendo força normativa aos princípios constitucionais com a judicialização de questões políticas e sociais que merecem atenção especial.

Nesta toada, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) sedimentou sua jurisprudência no sentido de considerar o art. 20 da lei 8.036/90, que traz as hipóteses de saque do FGTS, apenas exemplificativo, podendo o saque ocorrer em casos excepcionais (REsp 779063 / PR). Este entendimento, já sacramentado, se deu em sede de Recurso Especial, cujo caso concreto analisado versava sobre a liberação do Fundo para a reconstrução de casa abalada por vendaval.

Em consonância com o STJ, não há como exigir do legislador a previsão de todas as situações dignas de proteção, porém o caráter eminentemente social da norma confere um norte para o aplicador/intérprete, de modo que, na configuração de casos não previstos, o julgador entenda possível esta proteção e permita o levantamento, principalmente para impedir dano à saúde e à vida do trabalhador, bem como à dignidade da pessoa humana, valor fundamental consagrado na ordem jurídica brasileira.

Pautados na premissa superior de que o rol do art 20 não é taxativo e sim exemplificativo, os Tribunais Regionais Federais, nesta mesma linha, vem considerando legítima a liberação do Fundo para a quitação de imóveis adquiridos pelo SFI, desde que observados os requisitos do Sistema Financeiro Habitacional – SFH.

Quando instado a manifestar-se novamente, o STJ pacificou seu entendimento ao asseverar a possibilidade de levantamento dos valores depositados em conta vinculada do FGTS para o pagamento de prestações em atraso de financiamento habitacional, ainda que contraído fora do Sistema Financeiro da Habitação – SFH. Precedente: REsp 669.321/RN, 2ª Turma, Relator Ministro Castro Meira, DJ de 12/9/2005.

Com efeito, o direito à moradia e ao FGTS (como mecanismo de melhoria da condição social do sujeito jurídico), visam, não a outra finalidade, mas à direta e efetiva garantia da dignidade da pessoa humana, solução que atende à eficácia integradora da Constituição.

Diante do atual cenário de crise, rememoramos o impacto financeiro da não liberação do saldo do FGTS para a liquidação de contratos regidos pelo Sistema Financeiro Imobiliário, principalmente quando o prejuízo advém da diferença entre o custo do financiamento imobiliário (próximo a Selic, hoje em 7,5%) e a remuneração do Fundo (historicamente 3%). Ademais, os longos prazos dos empréstimos imobiliários, de 20 a 30 anos, potencializam esta perda financeira, que seria eliminada caso o cotista usasse os recursos do fundo para abater o seu saldo devedor junto à Instituição Financeira.

Nesta conjuntura, não se admitir a utilização de um direito social e fundamental como o FGTS, se traduz em afronta direta à efetivação jurídica e social das normas constitucionais, consubstanciadas no princípio da dignidade da pessoa humana, bem como na concepção integrativa do direito à moradia, pertencente a cada cidadão.